Quando pensamos em salvação no contexto cristão, é fácil cair na armadilha de enxergá-la apenas como uma questão espiritual ou apenas como uma solução física. Mas, na verdade, esses aspectos estão profundamente entrelaçados. Um exemplo disso aparece na narrativa da cura dos dez leprosos, contada por Lucas. Todos os dez foram “limpos” e “curados” (Lc. 17:14). Porém, é o único samaritano que volta para agradecer a Jesus que recebe uma declaração muito especial: “A tua fé te salvou” (Lc. 17:19). Aqui, o que Jesus diz vai além da cura física; é uma confirmação de uma salvação espiritual que foi dada ao homem que reconheceu e agradeceu a ação divina. E fica a questão: o que aconteceu com os outros nove? Será que eles não foram realmente curados? O teólogo George Eldon Ladd, em sua obra teologia do novo testamento nos sugere que, apesar de todos terem recebido cura física, o samaritano ganhou algo muito maior—uma “salvação” que vai além da simples cura, refletindo uma restauração espiritual.
Esse entendimento de salvação como algo integral é reforçado na história da mulher pecadora na casa de Simão. Em Lucas 7:50, Jesus diz a ela: “A tua fé te salvou, vai-te em paz.” Aqui, não estamos falando de um milagre físico, mas de uma transformação moral e espiritual. As lágrimas dela, o carinho demonstrado a Jesus—tudo isso evidencia que a salvação é muito mais do que a cura de doenças. O perdão que ela recebe é um reflexo dessa salvação, um ato de amor que toca fundo no ser dela.
O Perdão como Elemento Central da Salvação
Quando pensamos em perdão, precisamos considerar como isso se entrelaça com a salvação. A tensão entre Jesus e os escribas começou, em grande parte, por causa da afirmação de que Ele tinha autoridade para perdoar pecados. Para os escribas, essa era uma blasfêmia, já que apenas Deus pode fazer isso (Mc. 2:7). Eles estavam certos nessa perspectiva, pois a Bíblia afirma claramente que o perdão é prerrogativa de Deus (Sl. 103:3; Is. 43:25). Mas, a coisa interessante é que os profetas já tinham previsto que, na era messiânica, o perdão seria uma das grandes bênçãos. Isaías fala sobre um Senhor que salvará Seu povo, garantindo que não haverá mais doenças, porque “o Senhor perdoará toda a iniqüidade” (Is. 33:24). O perdão se torna uma marca registrada da era que Jesus inaugurou.
Ladd argumenta que a função do perdão foi sempre vista como algo exclusivo de Deus. Embora os judeus acreditassem que Deus poderia perdoar, havia sempre a tensão entre Sua justiça e Sua graça. A justiça, nesse contexto, era vista como algo que você conquistava por mérito—basicamente, se suas boas ações superassem suas falhas (Ladd, 2022). Então, quando Jesus diz ao paralítico: “O Filho do Homem tem na terra poder para perdoar pecados” (Mc. 2:10), Ele não só desafia essa visão, mas também oferece uma nova perspectiva sobre a justiça de Deus.
A Parábola do Perdão e o Reino de Deus
A conexão entre perdão e o Reino de Deus fica clara na parábola do perdão, que encontramos em Mateus 18:23-35. Essa história mostra como o perdão divino e humano estão ligados dentro do Reino. O perdão que Deus oferece não é apenas um presente—ele também exige que nós, como receptores, sejamos capazes de perdoar. A mensagem da parábola é clara: nossa experiência de perdão deve resultar em um espírito perdoador. Jeremias, mesmo ao enfatizar o juízo escatológico, não deixa de reconhecer que a misericórdia de Deus é fundamental; o juízo final se baseia na experiência de perdão que já tivemos (Ladd, 2022).
Ladd nos lembra que Jesus não trouxe uma nova teoria sobre o perdão; ele ofereceu uma nova vivência para os pecadores. Jesus não apenas afirma que Deus está perdoando a mulher na casa de Simão. Ele vai além: “Teus pecados estão perdoados” (Lc. 7:48). É uma afirmação poderosa que traz um profundo significado; Jesus, de fato, está exercendo uma função que é única a Deus.
A Justiça como Dádiva Divina
Outro ponto fundamental ligado ao perdão é a questão da justiça. Ladd argumenta que a justiça precisa ser vista não apenas como um conceito ético, mas como um relacionamento correto com Deus. Quando Jesus diz em Mateus 6:33 que devemos buscar o Reino e a justiça de Deus, ele inverte a ideia de que justiça é algo que podemos conquistar. A justiça é um presente que nos é dado. O que Jesus faz durante o Sermão do Monte vai muito além do que os escribas e fariseus ensinavam. Não é uma questão de você “fazer” justiça; é sobre você “receber” essa dádiva.
Um bom exemplo disso é a parábola do publicano e do fariseu. O publicano, ao se render à misericórdia de Deus, ilustra o que significa receber a justiça divina. Jesus diz que ele “desceu justificado para sua casa” (Lc. 18:14), revelando que essa justiça não é um resultado do que fazemos, mas um presente que vem de Deus.
A Presença do Reino e a Nova Era de Salvação
A missão de Jesus é, em si mesma, um testemunho dessa nova era de salvação que não é só uma expectativa para o futuro, mas que já está se manifestando no presente. Ele não apenas prometeu perdão, mas realmente o deu. Ele convida as pessoas a uma comunhão imediata com Ele, inaugurando o Reino de Deus. O poder redentor desse Reino se manifesta não só no perdão dos pecados, mas também na cura de doenças e até na superação da morte.
Isso é a essência da presença do Reino—uma nova era de salvação. Receber o Reino de Deus significa se submeter a esse domínio, que vem acompanhado de suas bênçãos. Essa era de realização já começou, mas sua consumação total ainda está por vir. Assim, o que Jesus fez durante seu ministério é um vislumbre da salvação que todos nós aguardamos, um chamado à restauração completa que envolve tanto o físico quanto o espiritual.
Para concluir, a narrativa sobre a cura dos leprosos, a experiência da mulher pecadora e a centralidade do perdão e da justiça nos ensinos de Jesus nos mostram uma verdade essencial: a salvação em Cristo é abrangente. Nesta obra de Ladd nos convida a refletir sobre essa salvação, que não é apenas algo que se espera, mas uma realidade que já se manifesta em nossas vidas por meio da fé e da resposta ao chamado de Cristo.

O livro apresenta uma exposição bem documentada e atual da Teologia do Novo Testamento.A edição revisada deste texto considerado um padrão evangélico traz uma bibliografia atualizada e ampliada, conteúdo abrangente e relevante e um índice remissivo que orienta o leitor à leitura e à pesquisa por temas. O Trabalho magistral de Ladd em Teologia do Novo testamento tem servido milhares de estudantes de seminários desde sua publicação em 1974.